A lista das nossas fraquezas é enorme e elas ocorrem todos os dias, em todos os lugares do mundo e nos mais diversos contextos. É verdade. Somos uma espécie animal estranha porque é a única capaz de maltratar, enganar, roubar, escravizar e matar os seus próximos. Molestamos crianças, elas que são a garantia da nossa continuidade. Desprezamos e abandonamos idosos e incapacitados. Tivemos 5 mil guerras em 3 mil anos, duas das quais de âmbito mundial. Isto é assustador.
E, no entanto, também somos perfeitamente capazes de
comportamentos altruístas, compaixão, solidariedade, empatia, amizade e amor
além de exercermos tantas aptidões artísticas, tecnológicas e científicas que
chegámos ao século XXI usufruindo de uma série de benefícios que se repercutem
positivamente na qualidade de vida de um número crescente de pessoas!
Este comportamento contraditório e ambivalente tem levantado
inúmeras suspeitas sobre a verdadeira natureza humana. Quem somos, afinal? Qual
parte de nós é que é verdadeira? Em que parte do caminho, ao longo da história,
falhámos? Somos um erro da natureza?
SOMOS SERES VIVOS NO PRINCÍPIO DA SUA HISTÓRIA
Sobre isto muito se tem pensado e escapam as respostas que
nos satisfaçam. Admitimos, na pior das hipóteses, que temos as duas facetas:
que somos capazes do melhor e do pior. Que é sorte quando tudo corre bem. Que é
azar quando as coisas correm mal.
Alguns, mais benevolentes, apontam o dedo à educação. Que é
na educação que está a resposta. Outros, que é na boa religião. Não creio que
seja em qualquer delas. Até porque quer a educação quer a religião já
produziram monstruosidades em todos os tempos.
Penso nisto há muito, talvez desde a minha adolescência. E
procuro a resposta. Porque tem de haver uma resposta.
A mais óbvia e cientificamente correta é que somos seres com
uma curtíssima história. Os nossos antepassados mais remotos apareceram apenas
há 2 milhões de anos e mantiveram-se num estado primitivo quase todo esse tempo
(para os menos habituados a estes números lembro que só aparecemos na Terra mais
de 66 milhões de anos depois da extinção dos dinossauros).
A nossa espécie despontou há apenas 200 mil anos e com
características que ainda possuímos. Fomos povoando a Terra lentamente enquanto
íamos aprendendo a viver nas mais diversas condições. Foi somente há 5 mil anos que erguemos a primeira povoação
digna de se chamar cidade (Jericó, na atual Palestina). Cristo só apareceria três
mil anos mais tarde.
Ainda há 100 anos, apesar da expansão industrial, a maior
parte do mundo vivía em plena Era Agrícola, em condições deploráveis, com uma
esperança de vida baixíssima e uma elevada mortalidade infantil. As doenças
contagiosas eram a principal causa de morte (só a peste pneumónica de 1918-1919
matou mais de 40 milhões de pessoas em todo o mundo).
Ou seja, a nossa própria história, tão cheia de
acontecimentos, é muito curta no tempo. Biologicamente falando, somos uma
espécie muito recente que ainda está em desenvolvimento (geneticamente lento
mas mental e culturalmente rápido e muito diversificado levando ao que se tem
chamado de "choque de civilizações" ou "conflitos
culturais").
ENTRE EXTREMOS
Somos maus e somos bons. Somos estúpidos e somos
inteligentes. Campos aparentemente contraditórios devido ao emaranhado de
instintos e emoções que nos obrigam a comportamentos egoístas mas também
colaborativos porque somos uma espécie que vive em sociedade, com uma tendência
tribal, e que se serve da inteligência para melhor chegar aos seus fins
(individuais ou coletivos).
Um dos mais notáveis biólogos e naturalistas do mundo,
Edward O. Wilson, autor de mais de 20 livros como "A Diversidade da
Vida" ou "A Conquista da Terra", diz que temos de ser assim
mesmo porque "os nossos instintos continuam a não estar preparados para a
civilização". Concordo. Vejo isso todos os dias.
Também não sabemos nada sobre o nosso futuro mas Wilson
explica que teremos de viver num equilíbrio instável, talvez sem chegarmos ao extremo
de formarmos bandos de egoístas dependentes de interesses pessoais e tribais
nem ao limite de nos comportarmos como formigas totalmente controladas pelas
regras inflexíveis da sua colónia, sem espaço para a liberdade e a criação.
Dependeremos cada vez mais do sabermos equilibrar instintos,
emoções e inteligência na certeza de que a nossa evolução como humanos é um
esforço tanto pessoal como coletivo.
Os genes mantêm-nos humanos iguais aos nossos ancestrais de
há 100 ou 50 mil anos se bem que, algures no tempo, nos tivéssemos libertado do
determinismo biológico e adquirido a capacidade de escolher o nosso caminho (o
livre-arbítrio). Todavia, cada dia verificamos que temos necessidade de aprender a fazermos cada vez mais BOAS ESCOLHAS que
sirvam a cada vez mais ampla e complexa sociedade humana.
A nossa estrutura mental ainda continua em desenvolvimento.
Estamos longe do patamar seguinte, seja ele qual for. Somos, enfim, uma espécie
muito jovem, ainda em busca de respostas, tateando e aprendendo num mundo cada
vez mais complexo e incerto. A evolução cultural é que poderá livrar-nos da extinção (se exceptuarmos qualquer catástrofe natural de dimensões extraordinárias).
Viver tornou-se num enorme desafio à nossa inteligência
individual e coletiva.
Nelson S Lima