EU sou EU? Descobri esta pergunta num texto de Nicholas
Humphrey, psicólogo, doutorado em Fisiologia, autor de vários livros sendo um
deles "A História da Mente" (1992) a quem o conhecido e controverso
filósofo Daniel C. Dennett "acusa" de ser um "cientista
romântico".
Voltemos ao tema da pergunta desta nota. E regressamos com
outra pergunta de Nicholas: "Como podem um corpo e um cérebro humanos
serem também uma mente humana?".
Para dar uma resposta convincente, Nicholas estudou vários
anos. Repito: estudou vários anos. Estas coisas que nos parecem do senso comum
são, porém, bastantes complexas e não podem ser resolvidas com uma resposta
intuitiva que nada diz sob o ponto de vista da verdadeira Ciência.
A pergunta poderia ser respondida por filósofos,
especialmente os que se dedicam ao estudo da mente. Mas, Nicholas é psicólogo e
investigador. Desenvolveu uma teoria que chamou de "consciência
reflexiva". Quando escreveu os livros Consciousness Regained (1983) e The
Inner Eye (1986) o famoso biólogo evolucionista Richard Dawkins declarou,
entusiasmado: "Acho que ele acertou em cheio! Temos por fim a resposta
para uma grande questão: como evoluiu a consciência humana!".
Afinal, o próprio Nicholas verificou que estava ainda tudo
por resolver. Diz ele que a consciência pode existir a níveis muito baixos, sem
existir reflexão, como uma experiência do ser em bruto, a sensação do tempo
presente e sensações primitivas como as proporcionadas pelos sentidos. Ou seja,
pode-se ser consciente com um mínimo de informações sensoriais. Ele chama a
isso o "momento espesso" da consciência. É o que acontece quando uma
pessoa se sente viva e viva no momento presente sentindo o mundo à sua volta.
A questão que ele levanta é o da qualidade das sensações
recebidas. São essas que permitem a sensação consciente. O seu trabalho em
laboratório deu-lhe pistas. Estudou a preferência estética dos animais.
Descobriu, por exemplo, que os macacos gostam do azul/verde forte, não apreciam
o amarelo, o laranja e o vermelho e o azul acalma-os. Percebeu que os macacos
são muito mais sensíeis às cores do que os seres humanos e que, por outro lado,
são insensíveis aos sons musicais preferindo o silêncio.
Mais tarde propôs que os constituintes básicos da
consciência são os sentimentos e as sensações em bruto (aproximando-se do que
António Damásio defende). Para Nicholas a consciência é "a reação imediata
do corpo aos estímulos". Já para o seu colega Daniel Dennett esses
constituintes são as ideias, os juizos e as predisposições pelo que a
consciência só ocorre depois da mente ter construído uma história e "ter
feito um relatório".
Diz Nicholas: "Eis o meu modelo de realidade: eu sou
eu. Estou a viver uma existência corporizada, no momento espesso do presente
consciente" e cita um poema de E.E.Cummings:
"Como o sentir está primeiro
quem presta atenção
à sintaxe das coisas
nunca beijará inteiramente".
O biólogo Francisco Varela (já falecido) não achou a
explicação de Nicholas muito convincente. Mas concordou que a ideia de usar a
experiência direta - as sensações - para descrever os processos cerebrais da
consciência foi muito esclarecedora. Para Varela o "sentido do Eu existe
porque nos dá uma interface com o mundo". Embora a consciência do EU não
exista como substância, ele acontece como resultado das permanentes interações
com o mundo.
Quando perdemos a consciência o que acontece? Deixamos de
interagir com o mundo. Quando esta interação reaparece, a consciência
apodera-se de nós. Voltamos a estar conscientes. Tal como aconteceria com
qualquer outro animal. Só que nós vamos mais longe do que os outros seres
vivos: como temos uma autoconsciência (que Augusto Ciury chama de
"consciência existencial") sabemos quem somos.
Mas ainda subsistem muitas dúvidas nesta matéria. Sabemos o
que é a consciência e o que é a autoconsciência. Não temos, porém, ainda respostas
para perguntas como as que o professor de biologia cognitiva e comportamental
Christof Koch, do California Institute of Technology, lançou recentemente na
revista Scientific American.
Diz ele que, apesar dos cientistas estarem a revelar a base
material da mente consciente (usando recursos como a ciência da informação e a
matemática!) falta ter certezas sobre questões como:
- um paciente gravemente doente pode estar consciente?
- um feto não tem ainda consciência?
- quando é que um recém-nascido adquire consciência?
- um cachorro tem autoconsciência como "ser
pensante"?
- e quanto à internet, com seus milhões de milhões (bilhões)
de computadores conetados, poderá um dia adquirir consciência?
Um dos atrativos da Ciência é levantar questões e lançar dúvidas
mesmo sobre matérias dadas como adquiridas. As respostas sucedem-se umas às
outras. Quanto mais forem, mais próximos ficamos da verdade. Mesmo sabendo que,
pelo caminho, se cometem muitos erros. Mas vale mais isso do que mantermo-nos
na ignorância, defendendo, por vezes, ideias absurdas e obscuras.
Nelson S Lima