Minha entrevista para o livro:
J. Marinho (Sport TV) - Do que se conhece, do seu estilo, da sua aprendizagem, dos meios que utiliza, dos seus conhecimentos, do seu domínio dos vários instrumentos de construção do sucesso, pode dizer-se que José Mourinho é um caso de sobredotação?
Nelson S. Lima - José Mourinho é, indubitavelmente, um caso de sucesso na
sua profissão sendo reconhecido como um técnico de excepcional craveira. Que se
trata de uma pessoa sagaz, inteligente e muito competente na sua especialidade,
ninguém dúvida. Saindo fora da vulgaridade estaremos perante um caso de
sobredotação ou de talento.
Num meio
– o futebolístico – que valoriza o esforço, a aptidão, a destreza, como é que a
inteligência pode diferenciar os talentos e, no caso de Mourinho, ser
instrumental para o sucesso?
O tipo de talento excepcional que Mourinho manifesta
como treinador inscreve-se no que os psicólogos cognitivos chamam de
“inteligência executiva”. Ela está geralmente presente em pessoas dotadas de
excelentes capacidades de gestão e liderança. Assenta em três pilares
determinantes para o sucesso: aptidão para a correcta tomada de decisões em
tempo oportuno na sua área de actuação, aptidão para a condução de equipas e
auto-conhecimento. Os grandes treinadores assim como os estrategas e decisores excepcionais
revelam-se através do atingimento certeiro dos objectivos que se propõem
atingir utilizando aquelas habilidades com elevada destreza e sagacidade (no
estudo das situações, na gestão dos recursos, etc.).
Acha que
Mourinho conhece a sua inteligência, valorizou-a como ponto de partida no seu
projecto de construção de carreira. Foi isso que fez a diferença, ainda numa
altura em que acumulava conhecimentos…É possível apercebemo-nos da nossa
inteligência e que essa percepção se torne a nossa vantagem comparativa sobre
os outros?
Estudando o passado de Mourinho descobre-se que ele
desde muito novo tinha consciência de que teria mais talento para treinar
equipas de futebol do que para jogar. Essa percepção é determinante para uma
carreira de sucesso e deve-se ao auto-conhecimento. Nas pessoas muito
inteligentes a percepção das suas próprias capacidades e talentos faz com que
desde muito cedo comecem a lutar para a concretização das suas ambições.
Mourinho conseguiu isso: chegou, agiu e venceu.
Acha que
Mourinho podia ser um bom case study para os grandes conhecedores da
inteligência humana?
Sim, certamente. A sua rápida ascenção como treinador e
os êxitos obtidos, sobretudo no F.C.Porto e no Chelsea, atrairam o interesse
dos estudiosos da gestão e da liderança, em especial os que se interessam pela
“inteligência executiva” aplicada no dia-a-dia das organizações humanas. Muitos
se interessarão também por tentar descobrir porque motivo Mourinho adopta
aquele estilo por vezes descarado de auto-elogío que leva os seus opositores a
defini-lo como arrogante e vaidoso. Quando se declara, ele mesmo, por exemplo,
como “the special one”, deixa no ar uma impressão de sinal narcisista.
Parece-me uma postura incompatível com o seu estatuto de homem de sucesso
podendo ser interpretado como um ponto fraco da sua personalidade. Não sei se
isto é bom ou mau para o seu futuro mas, se eu fosse seu conselheiro de imagem,
sugeria-lhe moderação.
É
recorrente, em certos comentários, fazer-se o uso de expressões “inteligência
em movimento”, ou “é uma jogada inteligente”, ou até dizer-se, na
caracterização de certo jogador, que “é um jogador inteligente”. A inteligência
marca a diferença no futebol? Mourinho foi dos primeiros a aperceber-se disso?
Será por isso que, por mais de uma vez, Mourinho já admitiu que detesta
jogadores burros? E como se distinguem os treinadores e jogadores inteligentes?
Ao que consta Mourinho não foi um jogador excepcional
mas é um analista por excelência e um estudioso do futebol. Ele sabe que o
talento para jogar futebol não se resume às habilidades de movimento,
equilíbrio e decisão com a bola. O futebol de alta competição exige outras
competências tais como disciplina, visão de conjunto, rapidez de decisão,
capacidade de concentração, carácter, etc. E nisso ele é um bom gestor
potenciando as capacidades de cada jogador.
A inteligência que torna um jogador eficaz dentro da sua
especialidade (guarda-redes, avançado, etc.) contem, na verdade, um conjunto de
talentos mentais e físicos que actuam em conjunto e no mesmo instante e que
fazem parte daquilo que podemos chamar de inteligência corporal-cinestésica. É
diferente, como é fácil perceber, daquela que se espera dominar num treinador
de sucesso. O facto de Mourinho ter tido êxito como treinador e não como
futebolista reside assim no facto de ser dotado de uma elevada inteligência
executiva, mais do que qualquer outra que o futebol exija. Ele sabe isso desde
o início da sua carreira futebolística. Um dos segredos do seu sucesso começou
também aí: o de ter sabido optar, no momento oportuno, pela profissão onde
podia dar o seu melhor.
Sendo que existem vários tipos de inteligência, quais
serão aquelas que Mourinho parece dominar melhor?
Sem dúvida que os dados apontam para uma elevada e
consistente inteligência executiva. Não é por acaso que os seus colegas o
reconhecem como um treinador excepcional e os gestores de empresas detectem
nele superiores capacidades executivas.
Das várias habilidades que fazem parte daquele tipo de inteligência
destacam-se a capacidade para a análise aprofundada das situações, a tomada de
boas decisões e a condução de pessoas. Ora é nestas áreas de actuação que
Mourinho se tem mostrado invulgarmente talentoso, o que lhe tem permitido ser
objectivo, realizador e eficaz.
ARQUIVO 5 de Abril de 2007
Nelson S Lima (entrevista para o livro "José Mourinho Vencedor Nato", de J. Marinho)